A literatura de JAIDER ESBELL na cena nordestina da SPVA-RN


Durante minha passagem Natal me oferece ouvidos.
Escreverei em seus corações coisas inimagináveis.
Obrigado pelo carinho e como autor recomendo leitura completa desse convite inevitável.
Uma Honra!
Jaider Esbell.

Por Ozany Gomes – Presidente da SPVA-RN

“Jaider Esbell, índio Macuxi da Amazônia, vencedor do Prêmio Pipa Online 2016, é o convidado especial da SPVA/RN, para participar do DEBATE LITERÁRIO VIRTUAL desse mês. O debate acontecerá amanhã, 23/09, no grupo da SPVA/RN, via WhatsApp, em dois momentos: 18h às 19h e em seguida das 22h às 23h.
No sábado, como de costume, acontece o SARAU COM A SPVA/RN, na Livraria Nobel, às 17h, onde o escritor/artista, recebe homenagem, com uma rodada poética de leituras e declamações de textos de sua autoria.
O trabalho de Esbell enviesa o caos das expressões humanas e não humanas. As forças da floresta, dos seres, emanam da arte do filho do tempo, de todas as influências: ancestralidade, conhecimento, memória, diálogos, plasticidade contemporânea, política global, o ser local, xamanismo visual, poder. Palavra, imagem, som, silêncio – comunicação em todas as linguagens. A arte de Esbell exige, para além dos sentidos, imersão.
PARA QUEM NÃO SABE…
O Prêmio PIPA é uma parceria entre o PIPA Global Investments e o MAM- Rio. Foi criado em 2010, para ser o mais relevante prêmio brasileiro de artes visuais. É coordenado pela equipe do Instituto PIPA. Tem como missão divulgar a arte, artistas no Brasil, e o MAM-Rio, e de estimular a produção nacional de arte contemporânea, motivando e apoiando novos artistas brasileiros (não necessariamente jovens).”

Alguns textos de Jaider Esbell.
Leia mais aqui: http://www.shirleyrodrigues.com/colunas/entre-parentes

DESPE-TE DE VAIDADES, VÊ-TE NU E VAI.
Na tarde quente da sombra dessa mangueira, sujeito, indo com a eterna transformação. Vivo pensando em como viver, em como saber o que é ser gente. Caminhando entre meus rastros, lidando com a vida do meu jeito. Eu, meu corpo e minha alma, algo que não tem fim. Sou parte de tudo o que não pertenço e ninguém me proíbe ser beleza, foi ela quem escolheu. Juntos, somos milhões, mas a célula que faz mais falta é a tua quando morres. Um sistema que não se abala com a maior das emoções. Para onde vais depois daqui; por onde já estiveste? Almas em composição, criando a infinita teia da sucessão. Na maior das insignificâncias, para onde levar minha razão se tudo é novo, é velho e se repete? Não há mais fé. Não há fé, nem justiça, nem comida, nem amor, nem água. Despe-te de vaidades, vê-te nu e vai.

A NOSSA VEZ
Pela janela vemos quem somos, no escuro, pelo espelho. Dentro dos nossos olhos há uma mina de verdades. Nem as lágrimas embaçam essa visão interior. Um fundo tão íntimo que nem a nós cabe invadir. No meu terreiro há um estranho. Estranho também lhe sou. Depois que tudo freou e o ócio de fato veio, nem a rede segurou a agonia. Há algo a faltar, algo que nunca vem, mas há de chegar. Hoje, lido com essas letras que me fascinam e metem medo. Há sim o que contar. A história vai aumentar. Esperamos fielmente a nossa vez, amolecendo o barro nos barracões, madrugando na chuva nos currais. Sendo pleno e absoluto, sofrendo com o vizinho sob o açoite. Tudo tão comum como se do tempo fosse. Nós, sentados, esperando nossa vez. Sobrenatural, ocupando o mesmo lugar dos ancestrais, sob a guarda, recebendo todo tipo de influência. Lua após lua, a pele curtiu. O tempo mudou radicalmente. Parece que chegou a nossa vez.

O NOSSO TEMPO
O efeito dos anos em nosso tempo é contínuo e avassalador. A humanidade distribui-se sobre a terra sem qualquer limite. Hoje, tudo é habitável e, mesmo onde não se alcança, tem ali o seu efeito. A paisagem rejeita a nova fisionomia, mas o novo clima dita a ordem recebida; extinção ao que não logrou adaptar-se. Para o mundo das ciências, não vale a sabedoria. Basta força e poder bélico; poder de desafiar teimosamente. Mais perto do fim, dizem os filósofos solitários, abafados pela gritaria de felicidade das festas de ano novo. É dormindo, sem memória recente, que desperta o ente, na lenta manhã do novo ano. A magia, o ar, a aura é de felicidade; os aromas de verão marcam profundamente a passagem de dias felizes. Mas é a felicidade uma sensação tão instantânea que o exato momento de ser percebida é tudo. Longos ou curtos, os dias que temos são fundamentais para se deixar um breve lapso nesse tempo que foge nos levando junto.

MULHERES INDÍGENAS NO SÉCULO XXI
Nós, homens, não podemos imaginar o que se passa a cantar na voz dessas mulheres. Mulheres indígenas que, frágeis, periféricas, são barreiras protetoras da cultura, de seus filhos e maridos. Mas, é só isso o mundo de uma mulher indígena? Não e não deve caber numa noite só de angústia, a moldura da vida de uma mulher indígena, no agora. Sair de casa e cair em um mundo para o qual não foi preparada e, por força, ser engolida. Essa casa é a comunidade, a vida na natureza. Mesmo na mais remota floresta, entre as mulheres indígenas “brabas” das tribos “isoladas”, na rede, a mãe pesarosa não consegue mais esquecer que sabe de nós, de como somos e no que vai dar. A preocupação com o futuro de sua geração no fim é igual. Mesmo porque corre nos rios a imundície, o cheiro da tragédia dessa civilização; o dia a dia, o contato com toda a violência. Como pode um coração suportar a dor de perder um mundo encaixotando-se em um bairro de periferia? Ou estar na comunidade e já não ter a mesma natureza? Para todos os lados há um efeito compressor, uma força maior, muito poderosa. A opressão imprime sua força e é bem diferente do abraço de uma sucuri. A pobreza verdadeira vista de dentro. A falta de higiene. A indignidade de ter que passar por caboquinha quando na verdade é uma linda mulher, nativa de uma terra que hoje chama-se, quase sem orgulho, Roraima. Uma fotografia de arte pura, real, natureza viva, vulnerável e solitária. Mas visto que esse tempo acelerou, a mulher indígena sobreviveu, mudou e, por outro lado, engrandeceu-se. Mas não se vai muito longe o estado de graça desse ser fenomenal. Logo se houve o grito de mais uma agressão. Do nosso lado, em um bar pé sujo, no Senado Federal, em qualquer lugar, a toda hora. Imagine que essa vida é real.

É TEMPO DE PLANTAR
Não tem como um povo em guerra viver em paz a cultura, na plenitude. Sim, é cultura o que se consegue viver, mas falo da referência, da fonte, o que para o indígena está condicionado à reconquista do território ancestral. Há um poço, uma ancora, nos tempos imemoriais, mas o saber está distribuído, está vivo. Muito já não se usa, mas tem os seus porquês e os lugares secretos lhe guardam. Valores incorporados se justificam. A comunidade parece garantia, mas a cidade tem suas comunidades avulsas. Deriva daí toda a nossa perspectiva contemporânea, individual e coletiva. Sabemos das fatias que mosaicam o panorama das realidades indígenas no Brasil e no mundo. Queremos garantir nosso futuro, nosso ponto de existência na diversidade. Esse ato é mais um de milhões; contatos, diálogos e resistências. Não só isso, esse momento em especial para os parentes com territórios demarcados e homologados é um momento de decantação. Uma pausa momentânea na luta eterna por dignidade. Esse tempo ainda não é o tempo de colher; é o tempo de plantar. Há de se sentar em rodas e mergulhar profundo na ancestralidade. Emergir cheio de vida, orgulho, identidade e vontade. Talvez seja a nossa vez. A disposição em colaborar mais com o mundo, com nós mesmos. Entre vigiar e deleitar-se no que antes não podia. O saber é o maior dos patrimônios. O instante do mestre verter o que se aperfeiçoa há milênios. A arte pode ajudar. Mas isso é só um momento, uma estratégia para dizer a mesma coisa, de outro jeito. É grande e grandioso o mundo cruel descortinado. Alcoolismo, químicos, desespero. Há um estado de transe, nas ruas e comunidades, e esse inimigo silencioso logra sua horda. Não desafia, investe certeiro. Quer as crianças, a juventude, as mulheres. Quer acabar com tudo, desestruturar, pôr filhos longe dos pais. É nesse meio, nessa metade de tudo, que as celebrações acontecem, persistem. A arte vale tanto quanto presente maior de Deus. Salve os que se confraternizam em alegria. Na outra ponta, miséria e tragédia afastam e reúnem. Nossas vidas dependem do Brasil, mas ele não depende de nós. A certeza é que tudo muda e aqueles dias perfeitos se vão pra memória, logo, pra sempre. Há os becos, as reentrâncias, a malandragem que domina, impera no mundo onde tudo sobrevive aglutinado. Estamos na Amazônia, perto de todos os remédios, sujeitos a todos os venenos. Mitos e lendas urbanas, guetos e vícios comuns. Poluição e mais uma notícia ruim. Assim vivem nossos povos, múltiplos. Um corpo só, visto de fora, de dentro, a natureza humana. Deixe a mulher ir pra escola, ela já foi pra roça, teus filhos estão criados e a comida está na mesa.

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