Passeio na roça – passeio no mundo!


Foi passear na roça e fez-se por lá.
Fez-se lá pois é mesmo filho da roça, e só. Sentou-se na sombra da maniva, a árvore da mandioca, também uma de suas avós.
Lá sentiu-se tão bem e deitou-se, era como colo de mãe. Deitou-se e sentiu-se tão bem e dormiu, dormiu profundamente em sua imensidão. Dormiu e sentiu-se tão bem e sonhou um monte de sensação, coisas boas, muito além da mera ilusão. Sonhou e sentiu-se tão bem e voltou a si para guardar mais um tiquinho dessa vida boa para depois e para os outros e todos os bons de coração.
Voltou ao passeio vendo as flores de feijão, as ramas de maracujá em flores bem abertas recebendo beijos do besouro polinizador. Não há dor na roça eis que isso sei. Sei que não há pois tem plantinhas para o chá, algo que chamam de cuxá, também algum amenizador de inconstâncias quaisquer. Volteou um pouco mais e se perdeu no cheiro de milho que deu de encontro ao perfume do mangará da banana comprida que tá novinha cheirando a vida, vida, vidinha.
Lá tinha uma franguinha ciscando a danada desde sempre. Volta e meia ela está lá, também revivendo sua memória de pinto, pinta, pintinha feliz por ciscar, ciscar e re-ciscar em continuada insistência. Pânico, viu que foi vista e quis fugir, cachorros são seus terrores, temores, tremores. Eu a tomei em minhas mãos e continuei o passeio na roça com a franga no colo e ela se acalmou. O seu coraçãozinho passou a bater mais lentamente e ela sabia que risco ali não mais havia. Saímos da roça, aquele lugar sagrado. Fechamos a portinha do nosso lugar encantado onde todo ser quer ir comigo, gato, cachorro, passarinho, gente.
O sol se pôs bonito, me disse filho é ora de orar, sim orar, fazer um rezo, meditar. É hora de me olhar para você mesmo se enxergar e ver a beleza daqui, e a de lá, de onde estiver vais enxergar. Orei, sim, orei e pedi paz, amor mais ainda amor para somar, sobrar, reverberar. Pisei a terra, pés descalços e pude sentir a honra de sê-la parte. Em arte voltei a outras conexões, emoções em códigos no vasto campo das tecnologias, telepatias, telas e vias.
Olhei o telefone, tem internet e lá tinha um vídeo. Uma voz me dizia o que comecei dizendo sem dizer; que parte dessa roça hoje, veio de lá, da Caatinga, a mata branca das entidades. Era Luiz Bento, no alto de sua sabedoria:
– Jaider! Você lembra de mim?
– Eu sou aquele, aquele rapaz, que foi mais você lá pro olho d’àgua, na baixa do Icó!
– E segurei aquele galho de capim e você escrevendo dentro da água com lodo. E gostei de você ter plantado o milho e o feijão que lhe dei.
– Na certa que você não é preguiçoso, é trabalhador!
– Tá bom?
Fico pensando no tamanho da esperança que representamos. Eu plantei o milho e mandei um vídeo para eles, lá no sertão de Pernambuco, e ele mostrou em reunião e me disse que a nascente vai voltar pois sabemos coisas de outros tempos. Ele fala da expectativa de revitalizarmos uma nascente com esforço conjunto, fé, tecnologia, arte e muito trabalho. Essa história continua na vida das tentativas até que se triunfe o que deve ser da vontade maior dos que cuidam de nossas vidas.
Gratidão aos meus irmãos Alvín e Véia, que meu coração sabe guardar, também.