CARTA DOS POVOS INDÍGENAS PARA O CAPITALISMO


* Texto entregue ao banco UBS na Suíça durante uma performance no dia 03/04/2019.

Eis que estamos vivendo agora, todos nós, o ápice do tempo antropoceno. Se não há futuro para nós, não haverá futuro para ninguém. Esse tempo presente é a última chance que temos para celebrar a vida, a vida com dignidade para todos; homens, animais, minerais, espíritos. Essa carta tem a intenção de convidar toda a humanidade para pensarmos juntos o futuro comum de nossas próximas gerações e isso é mesmo urgente. Eu de minha parte represento, em uma leitura poética, profética, a última ligação dos seres humanos com a essência da natureza, ou seja, a vida em sua origem.

Eu também represento o pensamento dos anciãos de toda a terra e não devemos suportar por vocês essa grande guerra, sozinhos. Eu vou além pois posso ouvir a voz dos que antes viveram e que nos alertaram que a arte é a nossa grande chance de falar de um modo mais verdadeiro. Eu venho de lá, dos cantos mais remotos das florestas virgens. É de lá que venho, da grande Amazônia, de onde os “selvagens” correm para todos os lados sem entender de onde vem o fim do mundo. O fato é que eles sabem, pois podem ver a catástrofe por meio de seus xamãs.

Com muita súplica nos convidam a segurar o céu sobre nossas cabeças com o melhor de nossa sabedoria, a sensatez. Lá, nas florestas virgens, as crianças perdem suas mães, seus pais, irmãos e ficam sozinhas morrendo lentamente vagando envenenadas com o lixo da modernidade por todos os lados. O lixo da modernidade que vocês, os homens donos dos bancos, donos do poder que é o dinheiro alimentam com suas poderosas estruturas de destruição que nunca param. Todo o ouro que antes e ainda mais agora são retirados da terra podem hoje formar um grande espelho e lhes mostrar. O brilho dos diamantes, da prata, forma agora um grande espelho onde pode mostrar para quem pode ver os rastros de sangue que a ganância deixa por onde passa.

Sabemos que é muito simples retroceder. Limpar a natureza de todo lixo industrial, limpar o espírito dos homens desse sentimento morto, frio e insensível que esta oculto nestes prédios tão distantes de nossa realidade. Eu posso ser você nesse caminho da vida mas não podemos ser natureza uma vez que a negamos e ficamos cada vez mais distantes. Ouvir o clamor mundial por justiça social. Aceitar de uma vez por todas que o aquecimento global é uma realidade pois as águas não mentem. O vento não mente, o clima não mente. Falamos sim pelos elementos da natureza já que nós meramente humanos não temos mais direito a nossa própria voz.

Que haja sensatez e muito mais tolerância. Que considerem tecnicamente a possibilidade de investir na estrutura universal pois o amor de vocês foi investido na guerra e a felicidade de vocês está em fazer as pessoas sofrerem em todos os cantos. Não há outro modo de viver por mais que se tenha dinheiro. Devemos sim, aquecer a terra com amor, esse nobre valor desvalorizado. Devemos sim cobrar por justiça e entender que a educação pode mudar o rumo e apontar outro prumo pra que atravessemos o mundo e sigamos vitoriosos deixando tesouros de paz e harmonia, uma forma simples e pura de sermos gratos pelo universo que tudo nos deu e que está muito perto de tudo nos tirar.

Somos iguais em tudo e por tudo digo que não queremos, que não merecemos ficar com o lado pobre desta riqueza comum. Aqui deixo mais uma vez saber que esta voz é uma voz da arte que me criou para andar no mundo mostrando de todas as formas o invisível, isso que não tá na matéria mas que a sustenta. Essa carta é uma representação, eu cá como povo indígena e você aí como o capitalismo cruel e sem coração. Trago um pouco de luz para você. É vermelho nosso sangue, azul a nossa água e não há mais tempo para tanto sofrimento. Lutem conosco, vocês têm poder, assim como nós.

Foto: Luna Bayard