Abril indígena 2020 – Se queremos mais podemos


Meus amores, não fiquem assim chorosas. Minhas mães, vamos, colham comigo uns jenipapos mansos. Eles são tão bonitos e cheirosos, está no tempo de colhê-los. Isso mesmo, esse cheiro de jenipapo é nosso desde sempre e sempre será. Colhamos as frutas maduras quando já estão caindo ou assim, molhinhos pendendo dos galhos. Eu subo no pé de jenipapo e lá de cima eu jogo e vocês aparam aí embaixo. Deve ser, como vemos que é, o início do tempo das chuvas. Vamos, a gente pede licença à mãe natureza, a todos os animais e entidades e vamos coletar.

Vamos sob todas as proteções. Os jabutis, antas, veados, caititus, pacas e cotias não vão sovinar frutas da gente. Vamos encher os nossos cestos. Peguem aqueles bem bonitos de tranças de arumã que fizemos no ano passado. Vamos passar urucum no nosso rosto para o universo ver que estamos vivos vivendo a nossa tradição. Nosso corpo pede, pé de jenipapo. Vamos comer jenipapo e vamos levar bastante para a gente fazer suco e até um pouco de caxiri. Sabemos que o jenipapo manso é comestível. Foram nossos avós, pajés antigos que amansaram essa fruta para que nós pudéssemos comer para sempre.

Não, não fiquem assim chorosas não, vamos andar um pouco no mato e esticar nossas pernas, andar até dar sede. Então, a gente pode se sentar, a gente vai se sentar embaixo de um pé frondoso de caimbé e vamos beber água fria de nossa cabaça. Nossa cabaça já está cheia de água, a água que pegamos no olho d’água bem friinha e limpa.

Vamos logo hoje que não vai chover e se chover a gente pode cantar aquela música e com certeza a chuva vai desviar para a gente não adoecer por causa de nosso corpo quente. Na volta a gente leva um pouco de lenha e quem sabe achamos um carubé grande pra gente fazer damurida. Papai vai ficar feliz tomando licor de jenipapo e nossas crianças vão crescer fortes comendo carne da fruta de jenipapo.

Sabe mães, não podemos deixar a tristeza nos abater. Essa tristeza que nos ronda não é coisa de nossa cultura. Viemos ao mundo para sorrir, isso não podemos nos esquecer. Eu não vou deixar vocês aí na rede, dengosas e sem gosto pra vida. Venham comigo, eu garanto que vai ser bom. Eu prometo passar com vocês no igarapé e quando lá chegar eu vou mergulhar para flechar tucunaré pra vocês assarem no moquém.

Então nós vamos comer peixe moqueado e vamos queimar nossa boca com pimenta Kanaimé. Mães, vamos logo, está ficando tarde e precisamos voltar cedo para tudo acontecer. Então, à noite, estará tudo tão perfeito que iremos exaustos para nossas redes. E assim como são as crianças em dias de aventura, no alto sono vamos sonhar e se a gente sonhar, de manhã vamos partilhar o nosso sonho, assim como devemos partilhar as nossas vidas.

Vamos mães, vamos para o jenipapal, a sagrada floresta das avós dos jenipapos.