Abril indígena 2020 – Dorme quando dá


Pensando bem a gente é assim mesmo, só dorme quando dá. Temos o maior prazer em ficar acordado e se tem alguma fumaça por perto é mesmo que não precisamos de mais nada. Estou nessa performance, uma fogueira para cada dia. De uma lua à outra, 30 fogueiras logo ao sol se pôr. Eu fico sentindo o cheirinho da fumaça e logo vejo meus velhos passarem para lá e para cá.

Como eu poderia, como pude deixá-los só por tanto tempo? Esse vermelho forte, forte que me invade. Meu senso tá sentindo, coisa tá a puxar. Vem aquele arrepiar de como diante de mais mistério. Coisa boa se sentir, tô com vontades. Como foi naquele dia no meio do sertão cinzento ao pé do flamboyant florado fervendo vida ao sol a pino. E aconteceu um desses momentos, bem ao pé da cerca de varas tortas alinhadas.

Quando eu vejo os rostos deles enrugando é a terra e acredito serem cânions que avançaram aos brios das profundezas. Sentido bom quando sedimento é que clareia. Na entrega da simplicidade pôr a mão em qualquer canto, como que intimidade. Hoje já não se pode ter o mesmo, tecer idade, então se tece outro. Como aquele olho d’água vivo mexendo água. O olha da água tá vivo e vive mexendo água.

Passou agora à sombra cheiros. Folha novinha no chão bem frio enquanto o amor tá por aí também chegando. É quando me encontra que devolve as aventuras. Hoje logo mais o galo canta. Hoje logo mais alguém se espanta e logo se levanta, pois, canto levanta conto. Canto levanta tonto em todo canto e hoje logo mais o galo canta. Parece que aquela serra canta. É, a serra canta e a pedra levanta e anda a narrar em cachoeiras. A cachoeira canta, quando ventar à flor que só balança a vida canta.
Foto: Marcelo Camacho.
Obra: Coleção Goias.