COM ARTE, índios da Reserva Yanomami em Roraima dizem NÃO ao fim


IMG-20160622-WA0005

IMG-20160622-WA0020
JAIDER ESBELL

Ao longo do rio Mucajaí, município de Alto Alegre, em Roraima, um Xamã Xirixana desenha em tela com pincel importado o espírito causador da intriga. Para toda a comunidade reunida na escola/casa coletiva, famílias viram alunos de arte. O pensamento voa além das cinzas da floresta, que vieram com o fogo fugindo do lavrado. No rio, desce mercúrio suprimindo a vida da cabeceira ao índio, que sente uma coceira estranha. Pausa na prática de arte e olhares se cruzam: será que esse barulho é do motor dos garimpeiros? A arte os pôs em transe, todos, encantados na magia, deixaram a cargo da comunidade acima o dever de flechar o inimigo. Outra suspeita se confirma. O xamã que agora desenha recebeu do Xapiri, espírito revelador, a secreta informação: pode ter parente facilitando esses crimes.
O povo Xirixana habita o território Yanomami, correspondente ao curso médio e alto do rio Mucajaí. A realidade ali se repete como nas áreas remotas de floresta da Pan Amazônia. Anos de contato com outros povos vizinhos possibilitaram aos Xirixana adoção de práticas e costumes comuns que bem podiam classificá-los, como se tentou, em Yanomamis. Não são. Os Xirixana somam mais de 5.000 pessoas e se dividem em dez comunidades que se autodeclaram como tal. A autoidentificação como povo Xirixana faz parte da básica descoberta, não querer pertencer a um povo que de fato não existe. Com língua e territórios próprios, as lideranças reivindicam há alguns anos a plena identificação de seu status, não só entre seus pares na floresta, no lavrado e nas montanhas, mas no mundo.
Foi nessa caça que o líder Gerson Xirixana entra em cena. Com história de vida comum entre a geração de indígenas que estão na média dos quarenta anos, Gerson foi entregue pequeno para viver com os brancos. Missão: ver, aprender o mudo e o pensamento deles. Essa política de entregar crianças indígenas para viver no mundo branco é comum, recorrente, e tem respostas extraordinárias para o campo das cruzadas interculturais e em relação ao grande mundo. Pode se ver exemplos, como o próprio líder internacional Davi Kopenawa, que articula o mundo em defesa da floresta há anos. Embora esforços internacionais e nacionais sejam empregados na tentativa de deixar a terra livre para os índios, o garimpo ilegal e desordenado impera.
Em Boa Vista, Gerson Xirixana peregrina de porta em porta; queria por tudo fundar uma associação para defender os interesses coletivos. Nesse trajeto, conhece Jaider Esbell, índio do povo Makuxi, que recebe, em 2010, um prêmio da Fundação Nacional das Artes e prepara uma grande exposição de artistas e artesãos indígenas na capital. A convite do artista, o povo de Gerson faz uma dança tribal e sela um convite para o artista levar arte, conceitos e possibilidades para dentro da floresta. Nasce, então, uma parceria que caminha para cinco anos e aos poucos mostra ao planeta o mundo ainda oculto de mistérios, belezas, riquezas e problemas.
A Comunidade de Sikamabiu, precursora na experiência, alimenta com registros de vivências as diversas comunidades rio acima que integram a Texoli, organização indígena do povo Xirixana. Arte, culturas e limiares desenham os desafios claros como as contraprofecias do Xamã. Ele diz: aqui todo mundo tá doente, esses homens com arte e fotografia vieram para ajudar. Sabemos quem somos, o que queremos e especialmente sabemos que tem muita coisa errada acontecendo. Tá aqui, aponta ele para o desenho do espírito causador da intriga, tá tudo aqui. Garimpo, doenças, falta de políticas públicas, a incipiência dos órgãos públicos, a desunião, a inveja. Salve a floresta, os rios e eleva-se a vontade e o direito de ganhar o mundo ficando feliz, em casa.
Em junho de 2016, aconteceu a II Assembleia Geral da Texoli. Ali tudo se repetiu: pedidos, encaminhamentos aos órgãos, descobertas. Para os índios, adotar a arte pode ser a grande sacada e, quiçá, o mundo veja, de fato, o que de melhor o povo da floresta pode oferecer: o conhecimento inalcançável, agora, possível com a arte. Sobre os resultados da II Assembleia Geral da Texoli, fica o aprendizado, a vivência compartilhada na grande casa comum. Líderes tradicionais e nova geração se encontram diante de expectativas gerais, um desenho uno, a dignidade plena. Como alcançar? Talvez com união, para o que, os passos iniciais já foram dados