ARTE – ARTISTA – MEIO


Quando se opta, de fato, por assumir-se Artista, é prudente procurar saber o que realmente pode significar esta decisão a você, aos seus e ao meio. É tão vasto o cardápio de termos que as línguas mais usadas fazem um esforço extremo para reunir pensamentos, em correlação ou não, sempre, antes que se estabeleça ainda mais desentendimentos e meias metades. Escrever sobre arte e artista é uma forma, também, de se comprometer ainda mais com o mundo, ir mais fundo na ideia de autoconhecimento. Qual seria, no universo de possibilidades, o melhor emprego para a relação arte-artista-meio? Colocamos a palavra artista como o sujeito, no meio, como canal por onde deveria passar todas as situações, valores pessoais e universais. Explico: colocamos essa frase-arcabouço como resumo, economia de nosso tempo, pois o que nos motiva mais é mirar na função da arte na vida do ser artista assumido, na sua pronta resposta à habilidade maior que tem ou reivindica e corporifica, o talento, a verve criativa, o efeito transformador em si e no meio. O efeito transformador poderá vir, talvez, se nós, que nos dizemos artistas, fôssemos cada vez mais artistas e menos fazedores de entretenimento, muitas vezes fora do alvo de nossa própria arte. Quiçá a nossa vida fosse somente entreter, agradar e fazer a felicidade própria e a alheia. Sim, somente entreter bem o fazem os que estacionam em frente ao palco, sobem e lá se perdem no encanto de sentimentos diversos, euforia, equívocos e tantas coisas pequenas a que nós artistas estamos todos sujeitos. O efeito transformador, a força que a arte pode dar ao artista, se consegue despir-se de valores culturais já incutidos antes de ter “vida e pensamento próprio”. Arrisco dizer que é preciso morrer de um certo modo para se nascer novamente, já como artista, acertando e acertando, como tem que ser. Acertar como artista, muitas das vezes, exigirá que você explique um pouco mais, que transformar, em alguns casos, pressupõe uma destruição total de algo complexo maior. Destruição total de quê e em que sentido? O artista deve ser um destruidor de verdades absolutas, deve destruir preconceitos individuais e dogmas, partidos políticos e certas crenças perpetuadas. Não é exatamente fácil ir além da função lúdica e divertida que a arte oferece. Há uma relação histórica e instigante que conta, em partes, como foi construída a relação arte-artista-meio. A história da arte nos leva ao velho mundo, mas, de lá, só voltamos por força própria e, se força o leitor tiver, nem aconselho ir tão lá no fundo quando o mundo hoje já está cheio e ainda exige mais superficialidades. Eu diria que nem é preciso ir com tanta convicção neste rumo, pois ao máximo teríamos acesso ao lado contado dessa relação. Sabemos que em tudo tem uma parte não exatamente evidenciada, midiatizada e que acaba passando por oculta, mas sempre esteve acessível. Não oculta, mas pouco avistada, portanto desinteressante, claro, injustamente. Não saberemos da vida, da obra e da honra de grandes pensadores artistas, pois certamente estes foram preteridos aos artistas (sic) dobráveis, pagáveis e dispostos a fazer somente o lado colorido da função. Hoje, pouco a pouco, se conforma o “mundo da arte” que a referência da Europa não é absoluta nem exatamente o berço do assunto. Hoje, especialmente no Brasil do impossível, é possível viver outra relação com a arte, salvo extremo esforço. Que relação? A relação com uma arte nata, nativa, selvagem, instintiva e certeira. A arte que nega a própria pátria e se fortalece em rituais xamânicos para aguçar as percepções mínimas do mundo traiçoeiro e enganador cheio de política mau intencionada. E qual seria esse esforço? O esforço de resistir ao convite diário para estarmos sentados ao lado dos Senhores, quando no mínimo, deveríamos estar pondo em desordem essas etiquetas e protocolos estando ao lado da maioria, o povo. Esforço de resistir a assédios midiáticos com propósitos escusos, politiqueiros e outras formas de usos e abusos na relação mais aberta e integral do artista com o mundo. Ser ético no exercício da função; o que seria isso? Seria uma boa abordagem falar dessas questões? O artista deveria compreender-se como algo necessário e acessível ou deve mesmo ir onde o povo está incorrendo em risco de ser indesejado? O artista deve ter uma função maior no todo que apenas divertir-se, gerar pautas, vender, cultivar vaidades, egos e conhecer outros ethos. Claro que nós artistas já nascemos felizes e tristes, privilegiados e em desvantagem, tudo ao mesmo tempo e em grande intensidade. Nascemos em desvantagem, pois, a nós, não deveria caber escolhas ou posicionamentos outros que não o do próprio operador da criatividade, dos insights, do labor completo de fazer-se artista pleno. Sobre sofrer é amável, quando sabemos o porquê, quando temos a clarividência que a ruptura doi primeiro na gente (artista) e nem sempre há cicatriz fechada, mas a certeza de que algo se move no sentido esperado. A arte proporciona sempre mais, como reciprocidade, a quem nela se debruça. A arte não deixa morrer, nunca mais, se já se morreu uma vez. O artista está no meio, no fogo cruzado, causado, ateado. A arte não queima, não morre, não vira cinza ou poeira. A arte sempre será o último recurso; ela falará sempre a verdade e causará sempre fissuras, deslocamentos, modificações e mudanças profundas em definitivo. Ela própria só será eficiente e eficaz se tiver campos férteis com seus dois eternos complementos, o artista e o meio, no todo e em partículas.