Exposição EPU-TÎTO – Artes e indígenas hoje – Textos da curadoria


Texto 02 – MEU VIZINHO KARAIWA – COLETIVA DE ARTISTAS INDÍGENAS
Muitas são as expectativas, quando os artistas indígenas assumem a dianteira de um diálogo que, talvez, nunca tenha acontecido. Parece mesmo um arrebatamento, um salto longo por cima de um tempo perturbado, vindo da completa insignificância, a se instalar nos salões onde outrora se planejavam sua própria extinção. O convite vindo dos indígenas artistas soa para muitos como atrevimento, uma antisubversão; ilustra bem uma inversão real de valores. Bem, não ao acaso, tudo caminha para o caos; tudo parece mesmo sofrer da falta de uma grande identidade. Os indígenas artistas surgem por baixo do mau tempo das interpretações alheias. Falam por si. Mostram na arte o que outros inventam, imaginam, falam vagamente. As emoções, cargas de vida contidas nas obras desta coleção, contêm a frieza da indiferença, a amargura, o remorso, a vergonha, a dor, o medo, o luto. Mas flameja viva a consciência de que ainda se pode viver em estado de plenitude. Demorou séculos para o índio dizer o que pensa e pode demorar um pouco mais para que ele seja ouvido. No entanto, mesmo havendo muita coisa absurda, estamos dispostos a ouvir algo diferente do que ouviram nossos antepassados. Baseados na magia da diferença que mistura tudo e lança adiante, esta mostra marca o tempo moderno de mistérios e espíritos do índio. Tudo vem de um conceito-arcabouço: o índio como um personagem comum, o exótico selvagem inumano que vaga e perturba o sono na fazenda. Depois, veio a barbárie, fruto da surpresa de conviver tão de perto com os índios, que agora são pessoas e cercadas de direitos. A relação entre vizinhos, aberta a uma interpretação plural. A relação entre vizinhos desmistificada desde os primeiros arrodeios despretendidos, quando o visitante ainda rondava, buscando ocupar este lugar. A relação de convivência pacífica, onde se esvazia primeiro a alma para que nunca mais vejamos aquilo com os mesmos olhos.