Exposição EPU-TÎTO – Artes e indígenas hoje – Textos da curadoria


Texto 06 – EU, XIRIXANA

ARTE DA COMUNIDADE XIRIXANA – SIKAMABIU, TI YANOMAMI

Acontece que eu me descobri. E que muitos olhos curiosos já me olhavam há muito tempo, isso eu descobri também. Agora estou eu, cá, e quanto mais me demoro, mais a floresta é encolhida. Tudo vai rápido; meu tempo e eu flutuamos no quase vazio, morno, antes do fim. Eu vim do meio da floresta clamar por meu povo e por mim, que estou como você. Estamos no turbilhão desse tempo que deixa todo mundo sem casa. Não, isso não deve ser coisa de Deus, mas coisa nossa mesmo no trato com a terra. Me dei um tempo pra pensar na arte. Coisa de que todo mundo fala e eu já vi. Disso, posso ter bastante, lá, com meu povo. Lá, temos coisas fantásticas que jamais caberiam em molduras, pois estão vivas. Elas se movimentam o tempo todo mudando de forma. E em estado de espíritos, são invisíveis para os comuns. São coisas grandiosas que ficaram de fora da história. Estão de fato para além do concebível. Para caber no todo, é preciso ser olhado muito do alto ou de muito longe. Te mostro apenas algumas palavras de poder, algumas pistas dos mistérios que decoro com coisas coloridas e brilhantes da modernidade. Mas isso é só um pouco do que posso te mostrar. A reunião dos bichos em tomar outras formas. Todos em transe do que se bebe do que se colhe das folhas. Depois, nelas mesmas, desnudam-se de tudo, esperando unicamente o tempo passar. Mas há passos grandes nas folhas ressecadas. Coisa que me metem medo; veneno, violência, vazio de verde consumido pelo fogo que não apaga mais. Esse vento de ar saturado espalha cinza nos meus olhos. Eu já vejo tudo se misturar. Me demoro em meus afazeres, mas as sombras das árvores vão mudando, vão se escasseando, e eu ainda tenho que ir à roça antes da chuva, antes do fim, do fim do dia.