Abril indígena 2020 – Me disse o pajé interior


Hoje o meu sonho me mostrou. Ele me levou a uma mulher. Meu sonho é um bom pajé. O meu pajé interior, é bom, um sonho bom. A mulher era gigante apenas por ser uma mãe. Mas ela era pequenininha, um ser completo da floresta. Ela era a floresta. Florestas andam por aí em outras paisagens. Era baixinha, musculosa, cabelo curto, rosto bem familiar. Era minha vizinha. Vizinhança para nós é outra coisa.

Ela cuidava de uma casa, casa que não era sua. Quando se viu estava com tal missão. A casa também não era minha. Eu, andando por aí, dei-me a lhe escutar. Meu pajé me dá mistérios, casos pra eu estudar. A casa era outra, outra arquitetura. Era de tábuas surradas donde cintilava luz, vento, magia e harmonia. A casa era dos outros. Alguém chegou com tal demandas, alguém. A casa era pequena, quase nada a se fazer, alguém, porém, disse para cuidar.

Ela me disse radiante: Meu filho, o que eu faço? Segunda-feira eu tenho aula, eu preciso ir me embora. Com ela havia outra mulher. Que não falou nada de si, mas vi, sua natureza. Esta, já não tinha filhos, parecia estar para toda ocasião. Passou com seu prato de cará cozido, entrou em outro ambiente. E o mundo, era o mundo dela. Havia muito cará cozido. O branco do cará cozido era muito bonito de se ver. Passei a brinca com a pasta de cará cozido. Algo sem sentido. Talvez fosse a arte, a arte de brincar com tudo.

As crianças brincavam em seus mundos. Eu em meu mundo, vinha de um fim de passeio, da beira do igarapé. O meu pai já foi pro céu. Hoje ele também desceu de lá. Me acompanhou nesse sonho. Fumamos tabaco juntos. Meu biológico me disse: Filho, aqui não tem peixe não. É pai, mais é tão lindo e tá bom para tarrafear. De fato, a água estava turva, muito barrenta mesmo. Havia lixo plástico, rastro da humanidade e eu disse: É, isso é coisa do garimpo.

Olhando assim, o rio descia. Barranco alto, raízes expostas, curvava o igarapé. Aqui a gente chama igarapé para água desse tamanho. Na região de onde vivo os rios transbordam todos. Represam águas muitas para maiores entidades. Esse sistema é amplo. Complexo é completo, deixa hotel para os peixes em lagos fenomenais. Lá estavam os lagos e tinham seus murirús. Abaixo dos aguapés tem muitos peixes, tucunarés e piabas para contemplarem vidas. Nos lagos há cobras grandes, garantias de nunca secar.

Então as plantas ficam cinzas até à altura do peito. Para nunca se afogarem se afagam. Era uma paisagem cinza, algo como o luar. Algo cinza bonito, não o cinzento feio. E estava lá a casinha. Era a Mãe do Davi. Era o Davi a brincar com seus cestos de arumã. Ainda sem saber das coisas grandes, da vida Davi sabia. Ele sabia sim, e soube de mim que saberia. Sua mãe me disse agora que sei: Filho me ajuda a cuidar.

Gratidão por mais essa, meu pajé interior! E você? Me conta o teu sonho. O que te disse o teu pajé interior?