Abril indígena 2020 – O sistema AIC


Tenho trinta minutos para escrever sobre o sistema AIC e o que é que eu posso te dizer?
Digo que ele existe e que um ponto alto de nosso sistema índio de ser, é desaparecer, fazer sumir ou aparecer, assim, “do nada”. Do nada? Não, claro que não, ou é no escuro que a gente vê? Você já viu um parente (indígena) sumir, desaparecer assim, na sua frente? Eu já, por isso é que eu te falo. E é por isso também que eu não te calo.

Você já viu a arte de fazer parar de chover, e de fazer o sol aparecer, assim, rapidinho, bastando um canto de poder? Eu já vi isso por isso quero deixar claro que o Sistema AIC é isso. Isso aconteceu em Roma, no Vaticano e era uma anciã quem fez essa arte acontecer. Fez parar de chover e fez o sol abrir pra gente trabalhar cinema para dizer o que viria agora acontecer, essa agonia toda. Nossa arte é direcionada para resguardar a vida, nunca será para entreter. É para tecer os fios coloridos da vida que estão em nossas mãos. Você não pode ver? Faça dietas sérias e vais poder, posso te garantir esse saber.

A arte indígena contemporânea está exatamente nisso, nessa capacidade literal de interagir com a ideia de além. Como é que essas coisas nossas vão caber no sistema fora da AIC? Digo que nunca caberão pois não é mesmo para caber. Esse saber é para o tempo aberto, para onde as pessoas de hoje já não olham mais. Isso não é coisa do passado. Passado para nós nunca vai existir, assim como a ideia de futuro ou outro tempo senão o eterno.

O além para nós é aqui mesmo, diferente. O além para o mundo não indígena é algo realmente além. Eu sinto muito mas quem não está no círculo nunca vai poder acessar. Respeitar é o que faz fazer parte, parte de nossa arte. A gente só está nesse “palco da Arte” para falar da existência de nossos sistemas. Eles existem independente de tudo. A gente nunca vai querer nada muito além de deixar que saibam das existências de nossos sistemas. Isso é maravilhoso sim quando a gente alcança esses portais.

A arte para nós é um estado pleno de capacidades completas. Por exemplo, quando uma entidade das águas leva alguém para a cidade do fundo do rio, nossos pajés bem preparados podem “puxar” a pessoa de volta para este mundo em que a gente vive. Então a nossa arte-sistema nunca vai estar separada da vida ou posta à parte para mera observação ou venda.

Experimentamos hoje muitas, ou alguma rara interlocução pois é mesmo necessário reinventar os mundos. Por exemplo, falando dessa arte mais comum, a fazedura de peças de barro: Non é a vovó barro. Ela é uma senhora bem artista e sabe de todas as coisas de que precisa saber sobre o barro como parte ou a arte da vida. Ela tem todas as regras anotadas em seu grande caderno de anotações e lá tem mesmo coisas anotadas sobre a morte, sim, tem.

Então eu, no meu atrevimento de artista contemporâneo, índio makuxi espevitado, me meto a “mexer” com barro. (…) paro dois minutos para jogar fumaça pro pajé (…) e crio umas peças “contemporâneas” e vou logo rezando. Rezar significa verbalizar palavras de intenção. Na verdade eu vou logo me explicando pois embora ela, a Kok’o Non, me veja e saiba de tudo sobre mim, ela quer me escutar.

Então eu peço perdão por tal atrevimento e explico as minhas razões e etc e tal… Então eu queimo as peças e as peças saem perfeitas, sem quebrar nenhuma. Então, meus irmãos isso significa o quê? Que acabou minha meia hora e que eu tive a tão sonhada Licença espiritual para criar, assim como vou viver muito para te contar. Eu tô contando pois vivo cantando.
Gratidão, vovó, sou seu aluno, minha mestra rainha da PAZ!