A ARTE INDÍGENA CONTEMPORÂNEA COMO CAMPO DE MANIFESTAÇÃO DE INCONSCIENTES E O DISPARADOR POLÍTICO PARA O ALÉM (R)EVOLUTIVO.


Talvez estejam nas subjetividades as pistas para a ideia de mudanças de mundos que a massa geral almeja e não veja. Por qual motivo não se vê? Não se vê para não se crer, pois se auto enganar é melhor do que permitir que os outros enganem a nós. Ignorar protege o nosso coração, mas é preciso teimar em matar o trauma, pois ele continua a nos matar antes da morte certa. As ciências das emoções são muito recentes e pouco procuradas, as espiritualidades andam cheias de charlatanismos e os conselhos dos mais velhos não têm mais escutas. Para onde ir senão para o desconforto das artes e da arte indígena feita para esse momento?
A revolução assim como a evolução são efeitos de doses homeopáticas, processos longos e constantes que neste início de terceira década do segundo milênio cristão, tudo parece se esvair em desesperança. Temos medos de nós mesmos pois sabemos que não sabemos lidar bem conosco mesmos. O auto amor não pode ser classificado taxativamente de egoísmo. Há distinções sutis, mas fundamentais nessas sentenças.
Escrevo para o que vejo, de onde venho e para onde vou, o interfluxo dos movimentos cruzados de mundos.
O nosso descaso com o mundo é o reflexo do nosso descaso interior. Inviabilizou-se nosso ambiente e queremos migrar mais uma vez. Se não nos vemos como parte do universo, não nos sentimos corpo constituído e para chegar em falar de alma precisamos saber mais sobre estarmos vivos. Estar vivo nunca pareceu ser suficiente e a instauração de uma cultura comum consumista leva-nos às últimas consequências das nossas vontades de possuir.
A crise é muito mais profunda que a falta de fé na própria espécie, é um medo medonho do que ainda resta dentro de cada um, um duplo problema quando se tem o conflito geral e o conflito interno, o mais cruel por sinal.
Se falta algo no mundo, estamos ocos por dentro e é questão de tempo bater um vento mais forte e ruírem as estruturas. Se não nos damos o valor devido, como poderemos pensar então nos outros? Nosso modelo de vida social é criminoso. Já se falou alguma coisa sobre a ideia de futuro e especialistas do pensamento simplificado já tentaram exaustivamente explicar que a sustentabilidade vendida como parte das soluções é uma grande mentira industrial.
Pessoas morrem muito mais rápido esses dias que o todo anterior somado. Se formos estudar o perfil deste mapeamento mortuário veremos que a maioria das vítimas são pessoas adultas ou idosas. Qual a magnitude de conhecimentos que estão deixando de circular entre os viventes no mundo todo apenas nessa passagem de 2019 para 2020?
Podemos ir além propondo uma imagem para seu cérebro criar; pessoas morrem nas cidades, desde megalópoles até aos lugares mais remotos como “tribos selvagens”. Árvores centenárias e todo o seu bosque são derrubadas numa intensidade semelhante ou maior que as vidas humanas que são interrompidas. Levamos doenças a cada passo pois somos uma doença em franca propagação.
As árvores não tombam sozinhas, homens a serviço da estrutura do sistema operam a nossa crueldade enquanto a gente protesta. Mas até que ponto é saudável pensar uma narrativa pessimista? Alguém certamente irá se beneficiar e eles não têm o menor sentimento por esses dramas todos. Chega a ser bizarro ver as realidades por esse ângulo. Ainda estamos planejando quando o ideal seria nos desmantelarmos por inteiro sem o menor dos apegos e pararmos em conjunto. Podemos colocar na ilustração a morte em massa por envenenamento de parte significa da fauna. Falamos mesmos de casos reais de extinção. Se somos organismos que causamos a extinção, damos os exemplos e as pistas para que outros organismos ou espécies nos extingam também. Essa seria uma possiblidade real para sentir na prática a força da lei da natureza.
É claro que castigo divino é levantado como hipótese por boa parte dos viventes, mas isso é puramente ciência ou uma lei universal pouco considerada, a da ação e reação.
Três imagens juntas para fazer o nosso cérebro trabalhar. Humanos e seus saberes, plantas e suas propriedades e a fauna e todo o seu “trabalho” de compor a diversidade e manter o equilíbrio entre as espécies. Enquanto consideramos que só humanos têm alma, vagamos fora de uma realidade espiritual plural por exclusão própria.
O fato é que o nosso sistema educacional no mundo todo continua praticamente o mesmo desde o milênio passado. A nossa ciência evoluiu muito mas se presta a desenvolver tecnologia bélica e aero espacial muito mais que para aplicar a equidade social, o que já está muito mais que provado que é possível. A medicina industrial não é fiel à sua essência de curar. Nossas relações político-culturais, sociais e de reprodução de seres humanos ainda têm base patriarcal, machista e nesse ponto reside um grande problema, de tamanho descomunal, que só mesmo aqui, no exercício de extrapolar o sentido do termo arte podemos tratar.
A ideia de família tradicional, o romance que ainda perdura sobre as relações afetivas entre duas pessoas de sexo oposto ou de iguais é muito problemático quando não se tem consciência que tal qual, se reproduz a estrutura muito bem desenhada para perpetuar a autoridade, o domínio e a supremacia. O que podemos dizer do cultivo de certas tradições?
Nem as guerras ou calamidades anteriores mataram tanto quanto esta pandemia. No campo das artes enquanto um ambiente de amplo pensamento podemos ter a liberdade de propor improváveis ilustrações, ou fazer sozinho leituras de mundos em campo aberto para que um ou outro transeunte perceba e pare diante do que lhe parecer mais atrativo e sinta vontade de convidar mais alguém, saindo do usufruto dos privilégios e movendo uma outra ideia de economia, a polieducação.
É que tem sim uma outra complexidade que mata sem muito alarde tanto ou mais que a de agora, mas acaba sendo despercebida ainda mais já que antes desse evento global também não o era. Fora dedicados estudiosos, gentes das filosofias, mestres visionários fora do meio midiático e partes mais fiéis do campo das artes ainda conseguem não se perder totalmente nos meandros dos sentidos essenciais.
A indústria das pobrezas certamente mata muito mais que qualquer outro mal no mundo todo. A desinformação como uma estratégia de reprodução e ampliação da pobreza é tão bem articulada que o senso comum não conseguiria identificá-la, tampouco combatê-la.
Assim, como organizar o nosso intelecto para ajuntar eventos ou sistemas aparentemente dissociados do todo como o somatório de esforços comuns para que a mudança real nas bases estruturais não consiga se fazer?
A questão certamente é algo no campo da saúde. Acumulamos muitos resíduos, minúsculas partes de detritos venenosos que somados causam em nós distúrbios incapazes de serem tratados. Se há muita gente no mundo e o mundo todo está em algum grau doente, restam poucos meios para garantir um tratamento minimamente eficiente para quem quer que seja.
As dificuldades absurdas de acesso aos recursos tecnológicos são muito bem pensadas na estrutura da economia capitalista que mesmo em crise ainda se mantem operando as regras da exclusão. Vejamos o caso dos povos originários no mundo todo e como estes são destratados por parte de seus governantes.
Vivemos alguns de nossos povos ainda em território de nossos ancestrais. Sabemos ainda alguns de nós como viver neste mundo quanto ao dinamismo em negociar com o cosmo a nossa permanência por aqui, mas isso é criminalizado e o estado não garante a aplicação da lei que diz que é direito nosso viver conforme nossas próprias tradições.
Não é nossa tradição explorar ou deixar que se explore os elementos do solo ou subsolo incluindo o uso indevido dos corpos hídricos. Não é nossa tradição cultuar religiões cristãs em detrimento de nossa própria cosmovisão e não é tradição de nossos povos a formação de nossas crianças em escolas ou a obrigatoriedade de ter que votar ou ser votado dentro de um sistema político partidário.
Não é tradição nossa a obrigatoriedade de fazer parte de sistemas outros como a substituição de nosso idioma por uma língua geral ou a inscrição de nosso guerreiros jovens em serviços militares incutindo ideias de uma sociedade militarizada como modelo de soberania.
Enquanto não considerarmos os conhecimentos tradicionais, digo a capacidade de inteira interação, ou integração do homem com a ideia de natureza, não vamos estar nem perto de algum rumo viável para o bem viver comum. Nossa tecnologia existe, funciona e serve para todos, desde que seja permitida a sua aplicação sem interferências e eu não estou falando em exclusividade ou eliminação ou mesmo invalidação da medicina da tecnologia do mundo dominante.
Eu tento falar mais em uma possível ação conjunta que reforçar a ideia de que algo prevaleça em detrimento de outro. Mas, enquanto homens adultos operam os mecanismos dos sistemas imersos em uma política estruturada para tal outras aberturas permanecem inviáveis e o discurso de prezar pelo bem comum para as futuras gerações não passa de uma ideologia vazia pois demoramos muito tempo em teimosias criminosas e não achamos escola a se fazer pois todas parecem muito bem prontas e dispostas a perpetuar a ignorância.
Este ensaio não se trata de um ataque cruel à escola, ao amor, ao casamento gay ou heteronormativo monogâmico ou às religiões e espiritualidades. Também não é uma ofensiva à ordem nacional, um atentado à soberania nacional ou um convite a qualquer rebeldia sem propósito.
Estes escritos são meramente exercícios de pensamento e práticas de responsabilização com o espaço em conquista que deve ser muito bem aproveitado por todos que se dizem artistas e indígenas. É uma livre expressão com o direito de estar errado mas com a melhor das intenções em estar minimamente certo a ponto de ao menos suscitar possibilidades de reflexões outras ainda que se saiba que o ato de ler não é um gozo social comum.
Contudo, sabemos que há curvas perpendiculares aos eixos e que do todo desta obra algum fragmento deva fazer a diferença positiva na formação de consciência política de alguém e se isso for feito é certo que esse alguém reproduzirá e temos ganhado muito com isso enquanto indivíduo útil e ativo.
É que decididamente nos apropriamos do termo arte como estratégia para fazermos outras políticas e como tal precisamos praticar com mais intensidade para que essas práticas sejam não esboços, mas peças prontas compostas de todas as contra-armadilhas de que precisamos para avançar com resiliência muito mais que resistência.
Por muito tempo ainda teremos de teimar o acaso. Teremos de tapar nossos ouvidos, olhos e demais sentidos para o desestímulo, para o medo de uma exposição que venha a ser ridicularizada por mera discriminação e não mais preconceitos.
Ainda temos que deter tempo e paciência em revisões e ajustes visto que o cognitivo dos leitores que terão acesso a estes textos funcionam diferente do que pretendemos lhes passar. Assim buscamos a flexibilização dos termos da arte. Que ela nos permita identificar a melhor forma de trabalhar os princípios ou outras epistemologias sobre o sentido da luz, da sombra, da profundidade, do espaço, da forma, do traço, do contorno, da linha e por fim, do ponto mais eficiente para nossas questões universais.